A Eletrobras acaba de apresentar mais um lucro bilionário. O Resultado da Empresa em 2019, de R$10,7 bilhões de lucro, não foi surpresa para quem acompanha o mercado de energia elétrica. Com isso, a empresa já acumula mais de R$24 bilhões de lucro apenas nos últimos 2 anos, um recorde. Mesmo carregando todo o peso da responsabilidade de bancar os investimentos necessários ao setor elétrico desde o apagão de 2001 e sofrer as consequências nefastas da Lei 12.783/2013 (Medida Provisória 579/2012) a Eletrobras sempre se mostrou uma empresa eficiente, especialmente nos segmentos de geração e transmissão.
Hoje, a Eletrobras encontra-se financeiramente saudável. Com baixo nível de endividamento e formidável situação de caixa. O indicador de endividamento Dívida Líquida/Ebitda está em 1,6, indicando baixo nível de alavancagem, abaixo da média do setor elétrico. Nesse cenário, a proposta de pagamento de R$ 2,5 bilhões em dividendos escancara a farsa do discurso de que não há capacidade financeira para investimento, lembrando que o ano passado a distribuição de dividendos ficou abaixo do mínimo legal, constituindo-se a diferença entre o mínimo legal e o valor pago, de R$ 1,25 bilhão, em reserva extraordinária.
Mas, infelizmente, uma situação financeira confortável está longe de ser suficiente. De nada adianta um bom carro se o motorista vai em direção ao muro! E é isso que a direção da empresa está fazendo! A proposta de pagamento de dividendos em montante tão elevado soa como música para os ouvidos dos banqueiros e especuladores, especialmente da 3G, que acaba de ampliar sua participação na Eletrobras. A promíscua relação entre o mercado financeiro e a alta direção da empresa, já denunciada diversas vezes na mídia (veja aqui e aqui), mostra que a Eletrobras hoje tem uma direção muito mais compromissada com banqueiros e rentistas do que com o desenvolvimento do país. Chega a ponto dos grandes minoritários da Eletrobras dominarem os Conselhos de Administração e Fiscal e a Diretoria Executiva.
No momento em que o país se depara com uma grave crise, de saúde e econômica, na qual os investimentos e a geração de empregos terão papel importantíssimo, a Eletrobras divulgou um Plano Diretor de Negócios e Gestão vergonhoso, com previsão de investimentos muito abaixo de sua capacidade, que só deixa mais claro que o compromisso da direção da empresa é com os acionistas privados e não com os outros 200 milhões de brasileiros acionistas representados pela União. Tanto o PDNG quanto a proposta de pagamento de dividendos expõem a estratégia de priorizar o lucro no curto prazo e o pagamento de dividendos, em detrimento dos investimentos produtivos e também em capacitação de pessoal e tecnologia.
A manutenção de um elevado nível de caixa, em detrimento dos investimentos tão necessários ao setor elétrico e ao Brasil, carece de justificativas perante a sociedade brasileira, através de suas instituições como Congresso Nacional, Ministério Público e outros. É falácia a história de falta de recursos, visto o multiplicador dos investimentos que a Eletrobras gera na economia em termos de infraestrutura, demanda por bens e serviços, empregos e renda. A diretoria, encabeçada por Wilson Pinto Junior, traçou uma estratégia para empresa visando benesses para meia dúzia de rentistas, banqueiros endinheirados e oportunistas.
A capacidade de investimento da Eletrobras hoje está sendo mais afetada pelo desmantelamento da infraestrutura da empresa do que pela sua situação econômico financeira. Um dos reflexos desse movimento é a drástica e irresponsável redução do quadro de pessoal. Ao contrário do que afirma a atual diretoria, a Eletrobras não é uma empresa inchada. Prova disso é que ela possui uma relação entre quantidade de trabalhadores e capacidade instalada e Km de Linhas de Transmissão sem igual no mundo.
Dá para traçar um paralelo com o Governo Federal que deteriorou significativamente sua estrutura de serviços públicos e agora demonstra uma nítida incapacidade de implementar as medidas de saúde pública e econômicas que ele mesmo vem anunciando, o que vai aprofundar ainda mais as consequências advindas da Covid-19.
Em 2010, quando as empresas de geração e transmissão da Eletrobras possuíam uma capacidade instalada de 40,3 Gw e suas linhas de transmissão alcançavam 53,8 mil Km, cuidavam desses ativos 21,3 mil trabalhadores. Em 2019, tendo alcançado uma capacidade instalada de 51,1 Gw e 71 mil Km de linhas de transmissão, a Eletrobras tem em seu quadro de pessoal apenas 13,1 mil trabalhadores. Para 2020, há previsão é de demissão de mais trabalhadores, levando o quadro de trabalhadores a apenas 12 mil.
Não há empresa que resista a tamanho esvaziamento! Para se ter uma ideia, Furnas e Chesf, algumas das maiores empresas do grupo, já encontram problemas de pessoal para atuar na manutenção de seus ativos e têm sido forçadas a terceirizar alguns serviços relacionados às atividades-fim das empresas. Imagine o quanto esse processo as afeta, símbolos do desenvolvimento do Sudeste e do Nordeste, na sua capacidade e potencial de levar mais desenvolvimento para essas regiões.
Mas a substituição de trabalhadores e trabalhadoras por mão de obra terceirizada não é acidental. Assim como a falta de investimentos não é consequência da situação econômico-financeira da empresa. Esses movimentos fazem parte de um projeto. Um projeto de curto prazo cujos resultados já são conhecidos, pelo menos, desde o apagão de 2001. Pretende-se com isso sugar até o último recurso da Eletrobras com o pagamento de dividendos, deixando como legado uma empresa esvaziada de seu sentido e de sua história. Foi assim com a Light. Foi assim com a Oi. Foi assim com a Vale.
O Fato dessas empresas depois de privatizadas causarem grandes prejuízos parece não ter servido de lição. A preocupação do mercado financeiro é com o pagamento de dividendos e nada mais. Esse caminho, que além de ser muito ruim para o conjunto da população também não é sustentável no médio prazo para empresa, parece ser o caminho escolhido pela diretoria da Eletrobras para trilhar, antes mesmo dela ser privatizada.
A história do setor elétrico mostra que nele os investimentos sempre foram muito dependentes da liderança da Eletrobras e do financiamento do BNDES. Assim, a Eletrobras sempre carregou a responsabilidade de garantir a execução dos investimentos necessários ao desenvolvimento do setor elétrico. No passado recente, foi vítima de graves erros estratégicos, seja quando a colocaram no papel de suporte do lucro privado das SPE’s ou com a desastrosa MP 579.
Antes disso, a Eletrobras resistiu aos nefastos projetos neoliberais da década de 90 e ao sucateamento promovido por Collor e FHC. Ainda assim, durante todo esse tempo nunca deixou de cumprir seu papel de principal ferramenta de fomento ao desenvolvimento do setor elétrico. Dessa forma, a participação da Eletrobras nunca se resumiu a de um mero investidor, pois não se constrói um setor elétrico sem pesquisa, sem conhecimento técnico, sem pessoal capacitado, sem história. E é isso que está sendo tirado da empresa, é esse o nefasto projeto que está sendo levado adiante por essa direção irresponsável. E contra isso resistiremos.
Por isso, queremos acima de tudo parabenizar nossos trabalhadores e trabalhadoras, legítimos responsáveis pelo excelente resultado alcançado no ano de 2019! Ao mesmo tempo, lançamos essa reflexão sobre os rumos da Eletrobras e seu papel de empresa pública voltada ao desenvolvimento do país, há muito esquecido, que devemos resgatar. Nesses tempos sombrios que estamos enfrentando, onde os cargos de poder estão ocupados por pessoas irresponsáveis e individualistas, a união e a solidariedade serão a nossa melhor resposta.
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