Temor de quebra generalizada assombra empresas de energia e ameaça operação de 200 hidrelétricas no país
A alta de preços da energia no último mês pegou a comercializadora Vega Energy de calças curtas e deixou a empresa com uma exposição de R$ 200 milhões. Mais de 50 empresas que compraram da Vega e revenderam para terceiros poderão descobrir que não têm insumo para entregar e, para cobrirem o rombo, precisarão ir ao mercado adquirir energia a preços ainda maiores. Para evitar um efeito cascata, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) suspendeu a autonomia da comercializadora para registrar contratos. Mesmo assim, o risco ainda assombra o mercado, que já tem um passivo de R$ 6,97 bilhões. O impasse sobre o risco hidrológico deflagrou em 2015 uma guerra judicial que hoje se desdobra em 64 liminares. Ao menos 200 proprietários estão numa situação extrema e alguns deles cogitam até devolver as usinas ao governo para depois recuperar as perdas dos últimos anos na Justiça.
Os problemas são urgentes e expõem a necessidade de aprimoramentos regulatórios no setor. É preciso reformular o modelo atual para que o crescimento do consumo de energia não cause um colapso no fornecimento, como ocorreu em 2001 no governo de Fernando Henrique Cardoso. Enquanto o caso da Vega Energy segue sem solução, uma saída desenha-se em Brasília para resolver parte do imbróglio. Conhecido como risco hidrológico, o GSF mede o quanto uma usina gera energia em relação à sua capacidade total. Está relacionado, portanto, à falta de água nos reservatórios.
Quando as hidrelétricas não são capazes de gerar energia, aciona-se as termelétricas, que são mais caras. O saldo devedor das usinas cresceu desde a seca de 2014. Em novembro, o Senado aprovou um projeto que retira do risco hidrológico fatores que impactam o cálculo, como importação de energia, geração termelétrica fora da ordem de mérito, atrasos de linhas de transmissão e antecipação de garantia física de usinas estruturantes (Belo Monte, Jirau e Santo Antônio). A lei teria efeito retroativo a 1º de janeiro de 2013. O texto aguarda aprovação na Câmara dos Deputados.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, estima a aprovação até o início de março. O prazo é considerado otimista. “Em 2018 tivemos muitas promessa de solução e nada aconteceu”, afirma João Sanches, CEO da Trinity, que comercializa energia. “Não acredito em um milagre dentro 30 dias” Além disso, depois de resolvido o imbróglio, será preciso pensar no futuro. Segundo Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc Energia, para equacionar o problema será necessário rever as garantias físicas de todas as usinas, ou seja, o volume real que a hidrelétrica pode entregar ao mercado. Com base na quantidade gerada nos últimos anos, algumas teriam esses valores rebaixados. “Ninguém quer mexer neste vespeiro porque isso vai fazer com que o valor das usinas seja menor numa eventual privatização”, afirma Vlavianos. Se nada mudar, a conta do GSF deve chegar a R$ 22 bilhões neste ano, estima o Instituto Acende Brasil. “As hidrelétricas não têm como arcar com este valor, nem mesmo as gigantes”, diz Claudio Salles, presidente do Acende.
Um pouco mais otimista está Rui Altieri, presidente do Conselho de Administração da CCEE. Ele acredita que o aprendizado dos últimos anos pode minimizar riscos futuros. “O problema não será tão grande por que o mercado se preparou para anos contínuos de hidrologia ruim. Ninguém está mais comercializando a totalidade de sua garantia física”.
Como pano de fundo do debate está a mudança da matriz energética da última década. Quando o sistema de compensação foi pensado, as hidrelétricas eram responsáveis pela garantia energética do país e produziam 90% da carga. Com o investimento em outras fontes, o cenário mudou. Hoje, a energia gerada pelas águas representa pouco mais de 60% da matriz e o severo regime de secas dos últimos anos tem aumentado cada vez mais o despacho de termelétricas. “O governo errou na mão e errou feio”, afirma Valmor Alves, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétrica (Abrapch). Quem investiu não tem mais dinheiro e quem pretendia investir, não se sente seguro. “Quando tenho água sobrando, minha energia não vale nada”, afirma Alves. “Quando tenho falta de água, compro energia a preço de termelétrica.”
O problema hidrológico foi o que levou à exposição excessiva da Vega Energy. A empresa negociou um grande volume de energia para entrega em 2019, mas alega não ter condições de cumprir com os contratos por conta da disparada dos preços causada pela falta de chuva. Segundo a empresa, as previsões climáticas apontavam para preços baixos no primeiro trimestre. Foi com base nestes dados que a empresa assumiu uma posição vendida apostando que conseguiria honrar com seus contratos. A situação causou uma paralisia no setor na última semana. A Vega até tentou comprar energia no mercado, mas não conseguiu por falta de liquidez. “Foi uma surpresa que pode afetar todo mercado”, ressaltou Sanches. Falta um mecanismo que faça com que as empresas operem com maior prudência. “Pode ser um aprendizado para a gente”, pontua Altiere. Resta saber se o governo também vai aprender com seus erros.
Fonte: Isto É Dinheiro
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