Podem levar tudo…

O governo escancara a porteira a outros países sem uma estratégia para a movimentação internacional de capitais

A compra pela chinesa Three Gorges Corporation de dez usinas hidrelétricas da Duke Energy, dos Estados Unidos, no Rio Paranapanema, com capacidade de geração de 2 gigawatts, tornou o país asiático o segundo maior proprietário de ativos do estratégico setor elétrico no Brasil, logo abaixo da Eletrobras. O negócio de 1.2 bilhão de dólares anunciado na segunda-feira 10 e a provável concretização de vários acordos em breve alçarão a China à primeira posição no segmento, preveem analistas.

O risco de hegemonia externa na área de eletricidade e a escalada internacional sobre a indústria naval e o segmento de petróleo sem a exigência de contrapartidas em benefício do País evidenciam a autorização do governo para a movimentação de capitais com total liberdade, ao estilo da política econômica de FHC nos anos 1990. E o contrário do que fazem China e índia, as economias de maior crescimento no mundo em crise, com sólidas políticas industriais e fortes condicionalidades à movimentação de capital estrangeiro estabelecidas há décadas.

A transação entre a Duke e a TGC ocorre três meses depois da venda, pela Camargo Corrêa, de 23% do controle da CPFL, uma das maiores empresas de energia do País, à chinesa State Grid. As aquisições fazem todo sentido para Pequim, ativa compradora de operações internacionais que proporcionem renda de longo prazo garantida, caso da geração de eletricidade. As tarifas têm indexação ao dólar através da correção pelo IGP e proporcionam um hedge ou proteção contra as oscilações da moeda estrangeira. A Duke só abriu mão do negócio porque decidiu se desfazer de todas as operações externas e investir apenas nos Estados Unidos, informou o seu escritório local.

Fusões e aquisições com dinheiro externo são tratadas pela mídia local como investimentos produtivos e tidas como uma retomada da confiança de empresas estrangeiras na economia brasileira, mas, no caso das usinas, “trata-se apenas de mudança de proprietário que pode significar, inclusive, a redução de aportes de recursos e, principalmente, de empregos, certamente o maior problema brasileiro”, alerta o Ilumina Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico.

A compra, tratada diretamente entre as matrizes mundiais da Duke e da TGC, não representa investimento novo, mas amplia significativamente o poder local das firmas da China. Um dos riscos é o da imposição de tarifas, mais difícil de combater por envolver relações entre governos.

A retomada da indústria a partir de 2003, ainda que em condições limitadas porque o problema dos juros e do câmbio não estava resolvido, resultou em investimentos catalisados pela Petrobras em estaleiros, no setor de bens de capital, em treinamento de pessoal, nas universidades e na criação de laboratórios de pesquisa e desenvolvimento inovadores das empresas estrangeiras fornecedoras da petroleira, destaca o professor Carlos Frederico Rocha, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em entrevista ao blog Infopetro, da UFRJ, sobre a desarticulação da cadeia produtiva de petróleo e gás cerca de um ano após o início da Lava Jato, o economista indagou se o resultado seria “voltara estaca zero”.

A preocupação do economista faz sentido, mostra o resultado econômico funesto do aprofundamento da operação e da sua conjugação com o fim do protagonismo da Petrobras no pré-sal e a política recessiva do governo.

CARTA CAPITAL – ECONOMIA – São Paulo – SP – 26/10/2016 – Nº 924 – Pág. 38 a 40

Por CARTA CAPITAL – ECONOMIA – São Paulo – SP

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